26 junho 2016

A irresponsabilidade do PSD no caso da CGD


Nem o facto de ter sido afastado da governação pelos portugueses, que em outubro passado elegeram uma nova maioria parlamentar, impede o PSD de querer continuar a destruir Portugal. A tentativa mais recente foi na semana passada com Luís Montenegro a exigir, na Assembleia da República, a criação de uma comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos.

Existe o sentimento geral de que o PSD e, sobretudo, Pedro Passos Coelho ainda não recuperaram do murro no estômago que os portugueses lhes deram nas urnas. O antigo primeiro-ministro e o seu partido passaram pela fase do amuo, bem patente durante a apresentação e votação do Orçamento de Estado; tiveram, de seguida, uma tentativa de resposta a alguma dinâmica que o CDS, antigo parceiro de coligação, tinha ganho com o congresso e com a eleição de Assunção Cristas como presidente do partido. A tentativa falhou e o PSD assumiu sobre vários assuntos uma posição errática de quem perdeu o norte. O desnorte é tanto que a bancada do PSD nem tentou o consenso com os outros partidos e apresentou o pedido a título potestativo, não admitindo contestação.

O pedido de uma comissão parlamentar de inquérito à CGD, neste momento, é descabido, irresponsável e pode custar caríssimo a Portugal. Quem o diz não sou apenas eu: há um consenso muito alargado, que vai da esquerda à direita e falta entender se o momento escolhido pelo PSD se deve à desorientação de um partido que mais parece a um navio à deriva ou, pior de isso, fica a dever-se a inconfessáveis interesses para liquidar o banco público.

Nunca houve uma comissão de inquérito sobre um banco em funcionamento. As anteriores foram relativas a bancos encerrados (BES e Banif são os casos mais recentes). Desta vez, a comissão decorrerá em simultâneo com o processo de recapitalização da Caixa, o que exporá o banco público a fragilidades, como apontam vários observadores.

De facto, as críticas pela falta de sentido de oportunidade são gerais e algumas delas vêm do próprio PSD: Segundo Manuela Ferreira Leite, que, recordo, já foi ministra das Finanças (e foi, também, líder do partido), a decisão de avançar com uma comissão parlamentar de inquérito é "no mínimo é inoportuna”, acrescentando que a forma como a questão tem sido discutida "enfraquece e é prejudicial à imagem da Caixa".

Outro antigo ministro das Finanças, Bagão Félix, que ocupou o cargo no governo de coligação (com o CDS) na altura de Pedro Santana Lopes, também foi cáustico. “A comissão de inquérito à Caixa vai ser destrutiva. É um processo que vai minar a confiança dos portugueses no sistema financeiro”, afirmou o antigo ministro.

Vou ser clara: Portugal e os portugueses têm pleno direito de saber como o seu banco chegou a uma necessidade absoluta de recapitalização. Isso não está, obviamente, em causa. O que está em causa é o momento em que isso pode – e deve – ser feito. O PSD, que foi governo durante quatro anos e meio, nunca julgou oportuno fazê-lo. Porquê agora?

É a própria Manuela Ferreira Leite quem diz que não há nenhum facto novo que justifique uma comissão parlamentar de inquérito neste momento. E recorda que o "o grande problema da Caixa é a capitalização e há uma negociação dura" em curso com Bruxelas. "É essencial que a Caixa tenha um aumento de capital. Só pode dificultar essa negociação".

O Governo de António Costa está a tentar negociar a melhor saída para esta questão, sabendo que o se o Estado vier a injetar dinheiro na Caixa é muito diferente do que fez o Governo do PSD e do CDS. Investir na Caixa é investir num banco público, enquanto o que a anterior maioria de direita fez foi injetar dinheiro dos contribuintes em bancos privados. Com os resultados que, infelizmente, todos conhecemos: catastróficos, como no caso do Banif, por exemplo.

Que venha agora o PSD impor uma comissão parlamentar de inquérito, dá que pensar. E levanta a dúvida sobre as suas reais motivações e objetivos. Uma coisa parece certa: as consequências podem ser gravíssimas e criar as condições para abrir o capital da Caixa a privados. Quando exigiu a comissão de inquérito, Luís Montenegro afirmou que o “não está em causa a natureza pública da CGD”. Mas não podemos esquecer que foi Passos Coelho a dizer, em entrevista à Reuters, que “julgo que precisaremos de abrir o capital da CGD. Significa portanto abrir um processo de privatização”.

Em que ficamos?

(Artigo publicado no jornal O Matosinhense, 23.jun.2016)


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