Nem o facto de ter sido afastado da governação pelos
portugueses, que em outubro passado elegeram uma nova maioria parlamentar,
impede o PSD de querer continuar a destruir Portugal. A tentativa mais recente foi
na semana passada com Luís Montenegro a exigir, na Assembleia da República, a
criação de uma comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos.
Existe o sentimento geral de que o PSD e, sobretudo, Pedro
Passos Coelho ainda não recuperaram do murro no estômago que os portugueses lhes
deram nas urnas. O antigo primeiro-ministro e o seu partido passaram pela fase
do amuo, bem patente durante a apresentação e votação do Orçamento de Estado; tiveram,
de seguida, uma tentativa de resposta a alguma dinâmica que o CDS, antigo
parceiro de coligação, tinha ganho com o congresso e com a eleição de Assunção
Cristas como presidente do partido. A tentativa falhou e o PSD assumiu sobre
vários assuntos uma posição errática de quem perdeu o norte. O desnorte é tanto
que a bancada do PSD nem tentou o consenso com os outros partidos e apresentou
o pedido a título potestativo, não admitindo contestação.
O pedido de uma comissão parlamentar de inquérito à CGD,
neste momento, é descabido, irresponsável e pode custar caríssimo a Portugal.
Quem o diz não sou apenas eu: há um consenso muito alargado, que vai da
esquerda à direita e falta entender se o momento escolhido pelo PSD se deve à
desorientação de um partido que mais parece a um navio à deriva ou, pior de
isso, fica a dever-se a inconfessáveis interesses para liquidar o banco
público.
Nunca houve uma comissão de inquérito sobre um banco em
funcionamento. As anteriores foram relativas a bancos encerrados (BES e Banif
são os casos mais recentes). Desta vez, a comissão decorrerá em simultâneo com
o processo de recapitalização da Caixa, o que exporá o banco público a
fragilidades, como apontam vários observadores.
De facto, as críticas pela falta de sentido de oportunidade
são gerais e algumas delas vêm do próprio PSD: Segundo Manuela Ferreira Leite,
que, recordo, já foi ministra das Finanças (e foi, também, líder do partido), a
decisão de avançar com uma comissão parlamentar de inquérito é "no mínimo
é inoportuna”, acrescentando que a forma como a questão tem sido discutida
"enfraquece e é prejudicial à imagem da Caixa".
Outro antigo ministro das Finanças, Bagão Félix, que ocupou
o cargo no governo de coligação (com o CDS) na altura de Pedro Santana Lopes,
também foi cáustico. “A comissão de inquérito à Caixa vai ser destrutiva. É um
processo que vai minar a confiança dos portugueses no sistema financeiro”,
afirmou o antigo ministro.
Vou ser clara: Portugal e os portugueses têm pleno direito
de saber como o seu banco chegou a uma necessidade absoluta de recapitalização.
Isso não está, obviamente, em causa. O que está em causa é o momento em que
isso pode – e deve – ser feito. O PSD, que foi governo durante quatro anos e
meio, nunca julgou oportuno fazê-lo. Porquê agora?
É a própria Manuela Ferreira Leite quem diz que não há
nenhum facto novo que justifique uma comissão parlamentar de inquérito neste
momento. E recorda que o "o grande problema da Caixa é a capitalização e
há uma negociação dura" em curso com Bruxelas. "É essencial que a
Caixa tenha um aumento de capital. Só pode dificultar essa negociação".
O Governo de António Costa está a tentar negociar a melhor
saída para esta questão, sabendo que o se o Estado vier a injetar dinheiro na
Caixa é muito diferente do que fez o Governo do PSD e do CDS. Investir na Caixa
é investir num banco público, enquanto o que a anterior maioria de direita fez foi
injetar dinheiro dos contribuintes em bancos privados. Com os resultados que, infelizmente,
todos conhecemos: catastróficos, como no caso do Banif, por exemplo.
Que venha agora o PSD impor uma comissão parlamentar de inquérito,
dá que pensar. E levanta a dúvida sobre as suas reais motivações e objetivos.
Uma coisa parece certa: as consequências podem ser gravíssimas e criar as
condições para abrir o capital da Caixa a privados. Quando exigiu a comissão de
inquérito, Luís Montenegro afirmou que o “não está em causa a natureza pública
da CGD”. Mas não podemos esquecer que foi Passos Coelho a dizer, em entrevista
à Reuters, que “julgo que precisaremos de abrir o capital da CGD. Significa
portanto abrir um processo de privatização”.
(Artigo publicado no jornal O Matosinhense, 23.jun.2016)
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