A notícia da mãe que, em morte cerebral ocorrida 15 semanas
antes, deu à luz um bebé no Hospital de S. José, em Lisboa, correu o Mundo.
Recordo-a aqui em poucas (e frias) palavras: No passado dia 7 de junho nasceu
uma criança com 32 semanas de gestação que se desenvolveu, durante cerca de 15
semanas, no útero da mãe cuja morte cerebral tinha sido declarada no dia 20 de
fevereiro.
Trata-se obviamente de uma extraordinária realização da
Medicina praticada no Serviço Nacional de Saúde, quer pela extrema
diferenciação e profissionalismo necessários e pelos riscos que comporta, quer
por se tratar do caso em que, durante mais tempo, foi mantido vivo um bebé no
útero de uma mãe que se encontrava em morte cerebral.
Esta manhã, a Assembleia da República aprovou um voto de
congratulação pela “capacidade demonstrada pelo Serviço Nacional de Saúde, bem
como pelo profissionalismo e competência de quantos nele trabalham”. O Serviço
Nacional de Saúde, o Centro Hospitalar de Lisboa Central (a que o Hospital de
S. José pertence) e, em particular, os médicos, enfermeiros e demais
responsáveis e pessoal que levaram este caso a bom termo, são credores do
reconhecimento geral.
De facto, este é um caso em que o Serviço Nacional de Saúde
funcionou de forma absolutamente exemplar. Vale a pena voltar atrás e recordar
de uma maneira mais detalhada: uma mulher que sofre de um tumor, engravida. Sabendo
que estava gravemente doente, opta por gerar a criança em vez de ser novamente
operada e tratada ao tumor. Talvez isso lhe prolongasse a sua vida, mas inviabilizaria
o nascimento da criança. Perante o desejo expresso pela mãe, houve consenso no
prolongamento da vida artificial na incubadora natural quando ela sofre um acidente
vascular cerebral. Consciente da gravidade da situação, que é irreversível, o
hospital (público, de gestão privada) para onde é encaminhada, refere-a para os
cuidados intensivos neurocirúrgicos do estabelecimento central.
Assumida a impossibilidade de salvar a mãe, foi decidido manter
a criança em gestação – ela estava de boa saúde. O processo era complexo: houve
que recorrer ao conhecimento técnico de outro estabelecimento especializado.
Enquanto o primeiro cuidava da vida da mãe, o segundo ajudava a alimentar o
feto, controlava os seus equilíbrios e monitorizava o seu crescimento.
A cooperação durou 15 semanas, até ao momento do parto. A 7
de junho nasceu o Lourenço, filho da Sandra. E, acrescentou eu, do Serviço
Nacional de Saúde.
A história, que tinha tudo para correr mal, correu… mundo.
Do ponto de vista médico, a manutenção do feto, em vida, tanto tempo após a
morte cerebral da mãe é uma realização extraordinária. Do ponto de vista
operacional, o feito tornou-se possível pela excelente cooperação entre
serviços que trabalham em rede: do hospital de residência, aos cuidados
intensivos do hospital central, à maternidade que acolhe o alto risco.
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