17 junho 2016

O bebé-milagre do Serviço Nacional de Saúde


A notícia da mãe que, em morte cerebral ocorrida 15 semanas antes, deu à luz um bebé no Hospital de S. José, em Lisboa, correu o Mundo. Recordo-a aqui em poucas (e frias) palavras: No passado dia 7 de junho nasceu uma criança com 32 semanas de gestação que se desenvolveu, durante cerca de 15 semanas, no útero da mãe cuja morte cerebral tinha sido declarada no dia 20 de fevereiro.

Trata-se obviamente de uma extraordinária realização da Medicina praticada no Serviço Nacional de Saúde, quer pela extrema diferenciação e profissionalismo necessários e pelos riscos que comporta, quer por se tratar do caso em que, durante mais tempo, foi mantido vivo um bebé no útero de uma mãe que se encontrava em morte cerebral.

Esta manhã, a Assembleia da República aprovou um voto de congratulação pela “capacidade demonstrada pelo Serviço Nacional de Saúde, bem como pelo profissionalismo e competência de quantos nele trabalham”. O Serviço Nacional de Saúde, o Centro Hospitalar de Lisboa Central (a que o Hospital de S. José pertence) e, em particular, os médicos, enfermeiros e demais responsáveis e pessoal que levaram este caso a bom termo, são credores do reconhecimento geral.

De facto, este é um caso em que o Serviço Nacional de Saúde funcionou de forma absolutamente exemplar. Vale a pena voltar atrás e recordar de uma maneira mais detalhada: uma mulher que sofre de um tumor, engravida. Sabendo que estava gravemente doente, opta por gerar a criança em vez de ser novamente operada e tratada ao tumor. Talvez isso lhe prolongasse a sua vida, mas inviabilizaria o nascimento da criança. Perante o desejo expresso pela mãe, houve consenso no prolongamento da vida artificial na incubadora natural quando ela sofre um acidente vascular cerebral. Consciente da gravidade da situação, que é irreversível, o hospital (público, de gestão privada) para onde é encaminhada, refere-a para os cuidados intensivos neurocirúrgicos do estabelecimento central.

Assumida a impossibilidade de salvar a mãe, foi decidido manter a criança em gestação – ela estava de boa saúde. O processo era complexo: houve que recorrer ao conhecimento técnico de outro estabelecimento especializado. Enquanto o primeiro cuidava da vida da mãe, o segundo ajudava a alimentar o feto, controlava os seus equilíbrios e monitorizava o seu crescimento.

A cooperação durou 15 semanas, até ao momento do parto. A 7 de junho nasceu o Lourenço, filho da Sandra. E, acrescentou eu, do Serviço Nacional de Saúde.

A história, que tinha tudo para correr mal, correu… mundo. Do ponto de vista médico, a manutenção do feto, em vida, tanto tempo após a morte cerebral da mãe é uma realização extraordinária. Do ponto de vista operacional, o feito tornou-se possível pela excelente cooperação entre serviços que trabalham em rede: do hospital de residência, aos cuidados intensivos do hospital central, à maternidade que acolhe o alto risco.

Como tenho muitas vezes repetido – e não me canso de o fazer – o Serviço Nacional de Saúde é uma das conquistas mais importantes do Portugal contemporâneo. A história do Lourenço mostra até que ponto estamos servidos de excelentes profissionais e quão importante é preservar, defender e promover o Serviço Nacional de Saúde.

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