14 agosto 2016

O combate à Hepatite C tem de começar já


O Dia Mundial da Hepatite, comemorado a 28 de julho e a que o Público deu larga cobertura, foi escolhido para a entrega, na Assembleia da Republica, de um projeto de resolução em que se recomenda ao Governo o reforço das medidas de eliminação das Hepatites Virais. Os dados da Organização Mundial de Saúde impressionam: 400 milhões de pessoas infetadas e mais seis a dez milhões de novos casos por ano; 95% das pessoas com Hepatite não sabe que está doente, mas mais de 90% das que têm Hepatite C podem ser curadas. Um número significativo desenvolverá cirroses hepáticas ou cancro do fígado; anualmente morrem cerca de 700.000 pessoas com doenças do fígado relacionadas com a Hepatite C. Em maio, a Assembleia Mundial da Saúde aprovou a primeira "Estratégia do Sector de Saúde Global sobre Hepatites Virais, 2016-2021". O documento aponta para a eliminação da doença, assumindo metas globais a atingir até 2030: redução de novas infeções em 90% e redução de mortes em 65%.

O movimento mundial pela eliminação da Hepatite também foi lançado a 28 de julho. O NOhep pretende “fornecer uma plataforma para assegurar que os compromissos globais sejam alcançados e a Hepatite Viral seja eliminada até 2030.” Na Europa, o Manifesto de apoio à supressão da Hepatite C defende que esse deve ser um objetivo explícito das políticas de saúde e quer assegurar o envolvimento dos doentes e da sociedade civil na implementação das estratégias de eliminação da doença. Também é preconizada uma atenção particular às ligações entre a doença e a marginalização social e recomenda-se a criação de uma Semana de Sensibilização Europeia para realizar iniciativas educacionais em toda a Europa.

Em Portugal, a preocupação também é grande. Em 2014 foi publicado o “Consenso estratégico para a gestão integrada da Hepatite C em Portugal” e soube-se que a prevalência do anticorpo contra a Hepatite C situa-se entre 1 e 1,5% da população. Podem morrer em Portugal entre 900 a 1200 pessoas por ano por complicações relacionadas com a doença. “É urgente fazermos mais na prevenção da Hepatite C”, concluía o documento, até porque tudo indica haver uma prevalência muito alta nos grupos de risco. Segundo o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, a comorbilidade de Hepatite C e VIH em toxicodependentes é elevada. Dentro das prisões, 72% dos infetados pelo VIH eram também positivos para a Hepatite C.

No nosso país, os dados mais recentes apontam para 8 136 tratamentos iniciados, 3 234 doentes curados e 128 doentes não curados. É bom, mas a guerra contra a Hepatite C não pode acabar aqui. 
Dos 13 mil doentes que no início de 2015 tinham sido identificados, cerca de 40% ainda não iniciaram o tratamento. Haverá um número muito significativo de infetados que não está diagnosticado. E há muito trabalho a fazer no campo da prevenção.

No projeto apresentado na Assembleia da República, de que sou a primeira signatária, defendo que Portugal precisa de um programa integrado e sistemático de eliminação da Hepatite C em linha com as melhores recomendações internacionais. Por isso se recomenda que o Programa de Saúde Prioritário na área das Hepatites Virais seja dotado dos meios humanos e financeiros suficientes. 

Devemos estabelecer um programa para a eliminação da doença, privilegiando a prevenção, o rastreio, o diagnóstico, o tratamento adequado e a monitorização. As associações de doentes têm de ser envolvidas e deve reforçar-se o papel importante da Medicina Geral e Familiar no rastreio das Hepatites Virais e na ligação aos cuidados primários de saúde. E é necessário investir na formação dos profissionais de saúde na área das Hepatites Virais.

Referindo-se à Hepatite C, o ex-presidente da República, Jorge Sampaio, escreveu que “as emergências não esperam”. Por isso, o combate tem de começar já.

(Artigo publicado no jornal "Público", 13.ago.2016)


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